Blog do Alécio Brandão

O “Pacato com o Demônio”: causos macaubenses… Em busca do tesouro!

  Por Dalmar Lula *

O primeiro passo para a riqueza é o desejo de consegui-la!”
Desconheço o autor desta frase, mas espero ser fiel cronista de uma lenda urbana, acontecida aqui em Macaúbas, há muito tempo atrás, quando um homem muito ambicioso e audaz, inconformado com a sua pobreza, transformou o seu enorme desejo de riquezas em um infortúnio macabro.
Antes da narrativa, é prudente relatar um sangrento embate acontecido entre o Capitão do Mato João Valente e uma tropa, em contrabando, que fugia das minas do Tijuco, pelos descaminhos do ouro da Bahia. Era um comboio, transportando grande quantidade de ouro em pó, sem ter pagado os quintos à Sua Majestade.
João Valente e seus homens saíram atrás da referida tropa, usando uma canoa e descendo o rio São Francisco, o qual margeava a rota de fuga, tendo alcançado os fugitivos próximo à vila de Santo Antônio do Urubu.
A carga continha cinco borrachas grandes, sendo que todas levavam abundantes riquezas em ouro. Dentro das borrachas, que era um recipiente fabricado com couro de boi, estavam em torno de treze mil e setecentas oitavas de ouro em pó, que corresponde, aproximadamente, a cento e trinta e quatro quilos. Uma oitava de ouro já deduzido o quinto valia mil e trezentos reis, contrabandeada custava mil quinhentos sessenta reis. De qualquer forma, uma fortuna, em um tempo de abastança, na região mineira.
Jerônimo, o líder da tropa, pressentindo a proximidade dos perseguidores, adentrou por uma trilha indígena em direção às serranias de Macaúbas, para ocultar o ouro em uma gruta, embaixo de uma formação rochosa semelhante à uma cabeça humana, a qual os índios chamavam de Pedra da Caveira.
Era um lugar assustador e evitado até pelos selvagens. Neste local ocultou a carga, pois sabia que o confronto era inevitável e o castigo para aquele que não pagasse o quinto, à coroa, era o degredo para Angola.
Houve a luta, todos os quatros homens brancos, cinco escravos e uma escrava, que compunha a tropa, foram mortos, salvando-se, ferido, apenas o chefe Jerônimo.
Sendo duramente torturado para indicar o local do esconderijo, ele não se entregou, pois, tinha uma resistência extraordinária e preferia a morte a ser enviado, em um navio, para a África, como prisioneiro.
Após muito tempo de martírio e já perto da morte, Jerônimo gritava para os torturadores: “Dei o ouro para o demônio, vai pedir para ele”, e repetia: “Vosmecês quer ouro? Pede para o satanás!”
Muitas décadas se passaram após este episódio. O ciclo do ouro estava terminado e cedia lugar ao ciclo do diamante. Dentro dos limites da primeira formação geopolítica de Macaúbas, encontrava-se um grande garimpo o qual foi chamado de Chapada Velha e que atraiu muitos mineiros oriundos das exauridas minas do Tijuco.
Atílio, o nosso personagem, aventurou-se por estas terras da Chapada Velha à procura de riquezas, mas não teve êxito. Retornou à sua terra, frustrado e derrotado, passou a invejar a pequena “elite” com seus casarões, seus ternos de linho, seus excelentes cavalos, suas fazendas e principalmente o seu poder político, sendo estes, integrantes da Casa da Câmara e também possuíam patentes de coronel e capitão compradas, da Guarda Nacional.


Sonhava em participar deste mundo, onde reuniões decidiam os destinos de todos os macaubenses. Estes coronéis, capitães, políticos, juízes, doutores e clérigos viviam cercados de escravos e jagunços, prontos para defendê-los e castigar todos aqueles que ousassem intrometer-se nesta impenetrável camada social.
Eram tempos difíceis, os ideais republicanos e abolicionistas tornaram o país um verdadeiro caldeirão. A fome assolava a nossa região matando centenas de pessoas. Deste jeito, para Atílio, o desejo de se tornar rico, influente e poderoso, por vias normais, parecia impossível. Entretanto, não considerou desistir, pelo contrário, seu anseio intensificou. Já não falava outra coisa, a não ser: “custe o que custar, um dia ainda serei rico!” O desejo, porém, tornou-se paranoia e muitas vezes repetia, aos gritos, que venderia até a sua alma para o diabo em troca de riquezas.
Ao que parece, o príncipe das trevas aceitou a proposta, pois, em uma noite de São Pedro, ao lado de uma fogueira, esta poderosa força iria se manifestar.
Atílio morava sozinho com sua mãe na Rua Vermelha e, todos os anos, seguindo uma tradição praticada pelas viúvas, ela acendia uma fogueira em lembrança ao seu falecido marido. A meia noite se aproximava, quando Atílio chegava em sua casa. Estava vindo de uma cavalada noturna, acontecimento que precedia aos festejos do dia dois de julho. Sentou-se um pouco em frente à fogueira, colocou algumas lenhas, para se aquecer um pouco, pois, era uma noite muito fria. A rua estava deserta, o silêncio era perturbador, via-se apenas o clarão das chamas e o crepitar das brasas, o resto era tudo trevas. Ficou ali por um tempo olhando para o fogo e pode sentir o calor das labaredas, que pareciam abraça-lo.
De repente, um vento súbito elevou as chamas em uma luz alta e viva e uma claridade intensa projetou a figura de um homem, vestido de preto, com olhos de sangue e que tinha nas mãos um grande tesouro. Atílio estava maravilhado com aquela visão dourada e brilhante de ouro e pedras preciosas, mas, de repente, o fogo se apagou totalmente. Ele levantou-se, meio assustado. Agora, a escuridão reinava, então, ele levantou-se e foi
até à porta de entrada da sua casa, entrou, tateou o candeeiro no batente da janela, ateou fogo em sua bucha, percorreu o corredor, adentrou em seu quarto, deitou-se, adormeceu e sonhou.
No sonho, ele se encontrava em meio a uma batalha, com estampidos de armas de fogo, gritos e estalidos dos facões. Todos lutavam, menos um elegante homem de preto que caminhava livremente entre os combatentes e estranhamente, nenhuma das armas o atingia. Com gestos, este homem o chamara em direção à trilha do índio, onde Jerônimo ocultara o ouro e apontou para a Pedra da Caveira, com o seu dedo indicador em riste.
Atílio se esquecera de que tinha invocado as forças malignas e, ao acordar, comentou alegremente com sua mãe que um defunto tinha lhe dado um ouro encantado, para ele desenterrar.
Naquela época remota, eram comuns histórias de pessoas que enriqueciam com tesouros doados por seres sobrenaturais.
O lugar indicado em seu sonho lhe era familiar, pois ficava na estrada que ligava Macaúbas a Paratinga e, quando nas viagens para as Lavras, ele sempre avistava aquela misteriosa caverna, com aspecto de crânio humano, que tanto lhe impressionava.
Atílio, em segredo, desapareceu em busca do tesouro. Somente sua mãe sabia da sua aventura e, após um bom espaço de tempo, retornou triunfante para sua vila. O sonho realizou-se e agora, nosso aventureiro, era um homem rico.
Cuidou logo em construir seu casarão na Rua Grande, com uma suntuosa fachada, seguindo a tendência arquitetônica colonial, com sala de visita à frente, corredor e sala de jantar nos fundos. A casa tinha um pavimento superior em forma de mirante, sótão, porões e dois pátios laterais, onde robustos portões, quando abertos, mostravam as escadarias que acessavam a varanda. As escadas, as portas, janelas e o piso foram construídos com madeira de lei combinando com os possantes móveis que decoravam o ambiente.
Tendo adquirido duas grandes propriedade, em brejos, para a criação de bovinos, também entrou para o comércio, vendendo drogas medicinais, criando uma espécie de botica, que atendida a toda a região.
Entrosando-se com a classe dominante, passou a vestir-se de forma elegante, conseguiu comprar uma patente da Guarda Nacional e entrou para o meio político. O homem, agora, se tornou o respeitado coronel Atílio, um nobre para os padrões macaubenses.
Deste modo, viveu intensamente, aproveitando-se da sua fortuna e desfrutando do seu poder, adquirido de forma misteriosa, mas isso não lhe importava, mesmo que tenha gerado uma indesejável dívida sobrenatural.
O tempo passa rápido. Era início de noite em um mês de agosto, a lua minguava no céu nublado e, por algum motivo desconhecido, os lampiões da iluminação pública estavam apagados, então, no largo da Rua Grande, reinava a escuridão. Apenas alguns candeeiros e fifós iluminavam, timidamente, o interior das residências.
Atílio acabara de jantar e, sentado em sua cadeira de balanço, tentava fumar o seu cachimbo próximo à janela da varanda. Um vento fresco e agradável teimava em apagar a chama da binga, que ele usava, para acender o fumo.
Levantando-se preguiçosamente, permaneceu um pouco atrás da folha da janela, protegendo o isqueiro para evitar que este se apagasse. Com certa dificuldade, conseguiu finalmente atear fogo no tabaco e começou a pitar, soltando as primeiras baforadas.
Ao sentar-se novamente, olhou para o largo em trevas e se perguntou onde estaria o acendedor de lampiões, que descuidara do seu trabalho nesta noite, deixando as ruas na escuridão.
Na varanda, observou que a luz bruxuleante de uma candeia projetava algumas sombras na parede. Neste momento, sentiu uma grande melancolia, pois, estava envelhecendo e precisava cuidar das suas coisas espirituais. Já havia doado o dinheiro, suficiente, para a igreja reservar um local privilegiado para o seu túmulo, que seria bem perto do altar, próximo aos relicários e dos santos, para garantir uma passagem tranquila para a vida eterna, assegurando a salvação da sua alma.
Somente os homens bem sucedidos eram sepultados no interior da Igreja, Os menos favorecidos eram enterrados no cemitério, ou algumas vezes, em uma área externa, circunvizinha à igreja.
Ainda era cedo para dormir e Atílio levantou-se para caminhar na calçada, talvez, prosear um pouco com os vizinhos, mas, ao descer a escada, sente uma forte dor no peito, o ar lhe falta em um repente fatal e a morte o abraçou.
Os criados empenharam-se em avisar rapidamente a todos da vila sobre a morte do coronel. Era uma tradição medieval, ainda acompanhada em Macaúbas, que no funeral todos os conhecidos estivessem presentes para acompanhar a última viagem e também seria necessário um belo ritual funerário, assim, pediam os anjos e os santos. Rapidamente, todos se reuniram para o ritual mortuário. A filarmônica Euterpe estava presente, o povo, o cônego e demais líderes, pois, quanto maior a suntuosidade do ritual, mais rápida e mais tranquila seria a passagem para o mundo dos imortais.
O caixão seria fabricado no início do dia seguinte, por este motivo, o corpo permaneceu em cima de um banco, cercado por castiçais com velas acesas. Um detalhe intrigava os presentes, pois, sempre que acendiam as velas, elas voltavam a se apagar, mas logo esqueceram tal detalhe, atribuindo ao vento tal estranheza.
Na cozinha, as criadas preparavam grande quantidade de café e chá para servir aqueles que passariam a noite velando. Deste modo, tudo transcorria bem no funeral, até que no meio da noite, avistou-se uma linha de fogo, marcando a escuridão que inundava a praça e um misterioso cavaleiro parou com seu ofegante cavalo negro, cujos olhos, emitiam uma apavorante luz vermelha. O místico visitante desmontou e, com passos decididos, entrou na casa do falecido.
Todos os presentes ficaram paralisados, mudos, sem ação e em silêncio absoluto diante daquele homem altíssimo, vestindo um traje preto cuja face ninguém ousava olhar. Cada passo do estranho queimava o piso de madeira, deixando as marcas das suas botas negras.
Um cheiro forte, misterioso e esquisito, espalhou-se pelo ar. Neste momento, para espanto e terror de todos, o cavaleiro negro apoderou-se do corpo, levando-o até seu cavalo, colocando-o curvado, à frente da sela.
Soltando relinchos arrepiantes e empinando nervosamente as suas patas dianteiras, o sinistro cavalo negro arrancou-se, em um galope desenfreado, deixando um longo rastro de fogo que incendiou a relva e desapareceu nas trevas, levando consigo o mal- aventurado Atílio, para cumprir o terrível pacto. (Conto extraído do  Livro Lendas Sobrenaturais)

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* Dalmar Lula é Engenheiro agrônomo graduado pela UFBA, sendo escritor, músico, cronista e historiador…

Publicou as seguintes obras literárias: A Torre e o Mestre, Causos Macaubenses, A Face Genética do Espírito e Lendas Sobrenaturais.

 


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